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Rio: 2015 foi fora da curva e dengue no “inverno” foi 4,9 vezes maior do que no verão

Na última década, o fim do verão não tem significado alívio para a cidade do Rio de Janeiro (RJ) em relação à ameaça de dengue e, por consequência, do mosquito Aedes aegypt. Ao contrário, o número de notificações da doença na cidade que sediará as Olimpíadas foi, nos anos de 2015 e em 2010, maior entre julho e setembro do que na época mais quente do ano (de dezembro a fevereiro). Só no ano passado, a quantidade de casos foi quase cinco vezes maior nos meses de inverno do que no verão. Enquanto que no período mais frio foram somadas 2.475 notificações, no verão, foram 504. Os dados filtrados pelo Portal EBC estão disponíveis no site da Prefeitura do Rio de Janeiro e no sistema Tabnet, da Secretaria de Saúde do Estado.

Atletas e delegações estrangeiras demonstraram recentemente preocupação com o avanço de doenças em que o Aedes aegypti é o transmissor, especialmente o novo Zika vírus. Entre as manifestações, norte-americanos levantaram a hipótese de não ir aos Jogos Olímpicos do Rio “se não se sentissem confortáveis”, em virtude da propagação do zika. A possibilidade teria sido levantada durante uma teleconferência com membros do Comitê Olímpico dos Estados Unidos (USOC). Depois, em nota, o porta-voz do comitê, Patrick Sandusky, garantiu que “a informação de que o Comitê Olímpico dos Estados Unidos aconselhou os atletas norte-americanos a reconsiderarem sua participação nas Olimpíadas do Rio por conta do vírus zika são 100% inexatas.

O comitê acompanha de perto a propagação do vírus no Brasil por uma página atualizada periodicamente. Quenianos (que integram outra potência do atletismo) também apontaram que não pretendem se expôr caso sejam atingidos “níveis epidêmicos”. A diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margaret Chan, minimizou, em visita ao Brasil, o risco de visitantes e atletas contraírem a zika durante os Jogos, apoiando-se na estatística da diminuição da população de mosquitos na época em que os Jogos serão disputados: “Nossos especialistas têm se reunido com o governo e o Comitê Olímpico local, para desenvolver um plano sólido de controle de vetores [de doenças]. Além disso, em agosto e setembro, é inverno e estação de seca no Brasil”.

O fato, porém, é que, além do ano passado, a cidade viveu outro momento em que as notificações foram maiores nos meses de julho a setembro, que em 2016 coincidem com a chegada de turistas (julho) e a realização das Olimpíadas (agosto) e das Paralimpíadas (setembro). Naquele ano, o número de casos no inverno foi de 745, enquanto que o verão, foram 529. Na década passada, os números de notificações foram semelhantes nos anos de 2005 (149 casos no inverno e 146 no verão) e em 2001 (2008 notificações no inverno e 1947 no começo do ano). Como pode ser observado acima, porém, na maior parte dos anos, as notificações no verão são em maior número.

Condições propícias

De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Entomologia, Pedro Neves, é fato que, com as temperaturas mais elevadas a ameaça do Aedes (que também é o transmissor dos vírus da zika e da febre Chikungunya) é maior por causa da grande quantidade de chuvas. Nos anos de 2002 (mais de 85 mil casos no verão) e 2008 (mais de 29 mil casos), por exemplo, a cidade viveu verdadeiras epidemias da doença que não se repetiram no inverno.”Entretanto, regiões quentes e tropicais como o Rio de Janeiro ou o Nordeste brasileiro, mesmo no inverno, as condições de temperatura são ainda propícias para o desenvolvimento do inseto e, se forem invernos chuvosos, teremos mais um fator favorável ao inseto”, explica o professor.

Para o especialista, a manutenção ou até o aumento de casos têm relação com o crescimento permanente do número de insetos e da conservação das condições para reprodução. “Assim, a população que vem alta do verão continua aumentando, em taxas menores, mas ainda transmitindo a dengue”, avalia Pedro Neves.

A epidemia tem relação com o aumento de pessoas infectadas e não apenas com o número de insetos, conforme explica o especialista. “Se você tem no verão hipoteticamente 1.000 insetos e 10% infectados com o vírus (transmitindo a doença) você terá 100 insetos transmitindo o vírus. Se no ‘inverno’ você tiver 500, mas 30% infectados você terá 150 insetos transmitindo e assim poderá ter mais casos de dengue na população”, exemplifica. Nesse contexto, Neves indica que nem a população ou as autoridades públicas devem relaxar no combate às doenças causadas pelo inseto.

Lição do começo do século 20

A luta do sanitarista Oswaldo Cruz, no início do século 20, contra a febre amarela (transmitida também pelo mosquito Aedes) poderia servir de exemplo para as autoridades públicas e para a população. A opinião é da historiadora Ana Luce Girão, da Casa de Oswaldo Cruz, ligada à Fundação Fiocruz. “Ele combateu os focos durante o ano inteiro e não apenas no verão. Em 1907, foi emitido um relatório em que já afirmava que havia acabado com o mosquito. Ele tornou obrigatória, por exemplo, a notificação da doença”, pontua.

A professora contextualiza que o sanitarista, que dirigia o Departamento Nacional de Saúde Pública, foi responsável pelo serviço de profilaxia da febre amarela. “Claro que a situação de hoje é bem mais complexa. Temos focos de inseto hoje no Brasil inteiro e a população é muito maior. Mas esperamos que entremos para a história pelo combate efetivo que tivemos nesse momento. Temos todas as condições para isso porque há mais possibilidades de pesquisar e compartilhar informações. Isso cabe a todos nós”, avalia Ana Luce.

“Trabalho diuturno”

A Prefeitura do Rio de Janeiro informou que terá ação estratégica também após o período mais crítico do Aedes. Segundo a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Saúde, o trabalho será diuturno com 8 mil agentes de saúde e toda a estrutura de atendimento e informações para que a cidade não “relaxe” após o verão. A administração considera que a população está acostumada a colaborar com denúncias (pelo telefone 1746) e que ajudou a enfrentar os piores períodos de surto. Em relação ao zika, uma preocupação dos país que disputaram os Jogos Olímpicos, a cidade somou 5.830 casos em janeiro.Por Luiz Claudio Ferreira e Nathália Mendes Edição:Amanda Cieglinski