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As consequências dos boatos na vida das pessoas – e suas implicações legais

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Por Clara Velasco, G1

Sarah, Fabiane e Marco Aurélio foram vítimas de boatos na internet (Foto: Arquivo Pessoal // Reprodução/Inter TV)Sarah, Fabiane e Marco Aurélio foram vítimas de boatos na internet (Foto: Arquivo Pessoal // Reprodução/Inter TV)

Sarah, Fabiane e Marco Aurélio foram vítimas de boatos na internet (Foto: Arquivo Pessoal // Reprodução/Inter TV)

O que pode começar como algo pequeno em um grupo de Whatsapp ou em uma página na internet pode acabar com a vida das pessoas. A autônoma Sarah Monteiro, do Pará, ficou um mês sem sair de casa após uma falsa montagem pornográfica que circulou pelas redes. Já Aninha Moura, do Piauí, foi morar a 1.500 km de sua cidade natal para tentar recomeçar a vida após uma corrente que a acusava de espalhar o vírus HIV a homens. O comerciante Luiz Aurélio, do Rio, teve o seu carro incendiado após um boato de sequestro de crianças. A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de São Paulo, foi vítima de uma história semelhante e morreu espancada.

(O G1 publicou uma série de entrevistas com vítimas de boatos nesta semana mostrando as consequências da proliferação de notícias falsas na web)

“O boato pode vir de uma piada de um grupo de Whatsapp de amigos, com ironia, em uma montagem brincando com uma foto sua. Pode ser um meme que vai circular na família sem nenhuma repercussão mais negativa, mas pode acontecer também algo mais trágico, como uma pessoa sendo espancada no meio da rua porque parecia com uma suposta sequestradora de crianças”, diz Fabio Goveia, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo. “E isso é em todo o país.”

O professor da FGV Direito Rio Pablo Cerdeira, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade, destaca também as repercussões na vida social das pessoas.

“Ela pode ter problemas psicológicos, desde os mais simples como ficar reclusa e parar de falar com amigos e família, até transtornos mais graves, como o suicídio.”

Segundo Goveia, a sociedade passa por um período em que as tragédias vão despertar cada vez mais interesse e necessidade de alfabetização do uso das redes sociais, algo que foi potencializado pelo modo como a internet se desenvolveu. “Antes, você podia escrever uma carta ou falar por telefone com impacto limitado. Hoje, com as redes, você tem a potencialidade de falar com qualquer pessoa do mundo, e isso exige mais responsabilidade de quem escreve algo ou grava um vídeo. Qualquer pessoa pode ser criador de conteúdo.”

Ou seja, é fácil fazer uma montagem com a foto de alguém ou escrever uma mentira sobre um conhecido e postar na web. Mas isso pode ter implicações. “Produzir, receber e passar adiante uma notícia falsa é colocar em risco a vida de algumas pessoas. Inclusive da própria pessoa que produziu e repassou aquilo, pois ela pode virar alvo da pessoa enganada”, diz Goveia. Ou da própria polícia e da Justiça, completa Cerdeira.

Criar boatos é crime?

Mentir não é crime – mas escrever mentiras sobre outras pessoas, sim. “Tudo o que você disser que se traduzir em um dano moral a alguém ou ainda aquilo que, porventura, gerar algum prejuízo a alguém e acabar resultando em vantagem para quem profere esse comentário pode implicar em uma situação que encontra enquadramento na esfera criminal”, diz Demétrius Gonzaga de Oliveira, delegado-titular do Núcleo de Combate aos Cibercrimes da Polícia Civil do Paraná.

No Código Penal brasileiro, essas implicações legais ligadas a boatos se enquadram nos chamados crimes de honra:

  • Calúnia: Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime. Pena: detenção de seis meses a dois anos e multa.
  • Difamação: Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação. Pena: detenção de três meses a um ano e multa.
  • Injúria: Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. Pena: detenção de um a seis meses e multa.

“Se eu disser que João é um ladrão e ele não é, estou cometendo o crime de calúnia. Se eu disser que João é um vagabundo e não faz nada da vida, estou difamando. Quando digo que João é um médico ruim, um profissional incompetente, é injúria”, afirma Cerdeira.

Os três crimes têm penas semelhantes, mas Cerdeira destaca que toda detenção menor que 4 anos é convertida em cesta básica e outros serviços.

“Tudo gera consequências, se não na esfera criminal, muitas vezes na esfera cível. Tem situações que você não encontra respaldo como crime, mas, pelo fato de ter usado indevidamente o nome ou a imagem de outra pessoa, acaba encontrando repercussão na esfera cível. Gera uma indenização que pode chegar a R$ 35 mil”, diz Oliveira.

“Tem que tomar cuidado porque, quando você curte, compartilha uma notícia que você não tem certeza, é como se você estivesse assinando embaixo.”

Fui vítima de um boato – e agora?

Para conseguir levar o caso para Justiça é importante que a vítima siga alguns passos, afirma Cerdeira.

  • Consolidar a prova: Fazer um print ou imprimir a página do local em que o boato foi postado ou o comentário foi feito.

“O ideal é procurar produzir essa prova na delegacia ou com alguma testemunha. Se for algo muito sério, ela pode procurar um tabelionato ou um registro de títulos de documentos, que pode atestar que o comentário estava publicado em um link X numa data X.”

  • Procurar uma delegacia: Algumas cidades têm delegacias especializadas em crimes eletrônicos, que são ideais porque geralmente a equipe técnica já está preparada para produzir a prova necessária. Caso a cidade não tenha, porém, o boletim de ocorrência pode ser feito em qualquer delegacia. A ONG Safernet tem uma lista de delegacias especializadas em diversos estados do Brasil.
  • Contratar um advogado: Caso a pessoa deseje seguir de fato pela via judicial, deve contratar um advogado. Cerdera destaca que alguns casos também podem ser levados para o Ministério Público, principalmente quando se referem a grupos específicos, como nordestinos, mulheres e negros.

“Na maioria das vezes, eu não recomendo que ninguém procure a Justiça porque já temos um judiciário sobrecarregado e a polícia com uma série de problemas para resolver. Na prática, vai ser difícil isso ser resolvido na via judicial. No caso de sites de busca, há ferramentas para denunciar conteúdo, para pedir a retirada do conteúdo. Em casos de blogs ou sites sem essa ferramenta, a melhor saída é tentar entrar em contato com a pessoa e pedir a retirada.”

Tanto Cerdeira quando Oliveira destacam que muitos casos podem acabar em acordos. “Mesmo quando vai para o judiciário, a Justiça vai tentar fazer uma conciliação”, diz o professor. Foi o que aconteceu no caso da universitária Izabela Stelzer, do Espírito Santo, vítima de um boato que dizia que ela teve relações sexuais com um homem que não conhecia. O criador da história teve de se retratar publicamente no Facebook, negando os boatos.

Como se proteger dos boatos?

Aumentar a privacidade dos perfis, não postar fotos pessoas, evitar encaminhar mensagens com assinaturas no final… Essas são algumas das soluções encontradas pelos usuários. Mas será que é possível evitar ser vítima de um boato? Todos os especialistas concordam que é muito difícil conseguir se proteger, e por um motivo simples: a internet é feita de compartilhamento de informações.

“Eu diria que é impossível alguém não usar a internet para compartilhar. Se for para manter perfil fechado, qual é o sentido? E, se abre para uma pessoa, pronto”, diz Goveia.

“Você não pode ter controle, é a característica do digital. Se não quiser ter risco nenhum, não pode estar no mundo digital. Mas isso é praticamente impossível hoje. Temos que viver a vida digitalmente com as coisas boas que ela tem e aprender a se cuidar com aquilo que ela tem de risco. Todos estamos vulneráveis.”

Cerdeira diz que talvez um bom caminho seja tentar ser menos exposto. “A gente passa por uma fase de grande exposição. Tudo que passa pela cabeça vai parar na internet. Isso abre flanco para receber críticas e para ter uma foto alterada e difamada. Não é culpa da pessoa, pois cada um é livre para falar o que quiser dentro do limite do legal. Mas é uma das estratégias para redução de risco.”

É ou não é?’, seção de fact-checking (checagem de fatos) do G1, tem como objetivo conferir os discursos de políticos e outras personalidades públicas e atestar a veracidade de notícias e informações espalhadas pelas redes sociais e pela web. Sugestões podem ser enviadas pelo VC no G1, pelo Fale Conosco ou pelo Whatsapp/Viber, no telefone (11) 94200-4444, com a hashtag #eounaoe (caso prefira, a hashtag pode ser enviada logo após a mensagem também!)